A importância do abraço, entrevista com a psicóloga e escritora Thais Laham Morello
Em tempos de pandemia, quando as relações sociais foram tão prejudicadas e, ao mesmo tempo, sentimentos e emoções acabaram tão aflorados, falar sobre o abraço é uma oportunidade para refletir sobre como podemos ajudar as crianças a lidarem com situações e conflitos que acabaram, muitas vezes, sendo impostos a elas.
Para falar sobre esse assunto, convidamos nossa querida Thais Laham Morello, psicóloga e autora de livros infantis, para um bate-papo.
Carochinha: Thais, muitas crianças tiveram seus espaços de convívio e suas relações sociais alteradas com a pandemia. A gente sabe que isso tem se refletido nas crianças de muitas formas, com o aumento da ansiedade e até da agressividade. Como o abraço pode ajudar a lidar com isso?
Thais Laham: O abraço é uma expressão de intimidade, de aproximação. Ele proporciona a sensação de proteção e acolhimento, parecido com o conforto de um útero. Nesse longo período de pandemia, as crianças, assim como os adultos, estão com os sentimentos ampliados, gerando receio do futuro e experimentando a vulnerabilidade humana junto da consciência da finitude que muitas vezes é lembrada quando alguém morre. No caso da pandemia, esse lembrete é constante, e as crianças se sentem ainda mais desprotegidas, com o medo da morte dos pais. Pensamentos como quem vai cuidar de mim? acontecem muito, ainda mais nesse momento. Por isso abraçar seu filho é fundamental, pra ele se sentir seguro e cuidado.
Carochinha: Além de ser usado para amenizar os momentos de dor e conflito, o abraço também é bastante importante nos momentos de interação e brincadeira entre o adulto e a criança. Na sua opinião, como isso pode ser intensificado nesse período?
Thais Laham: O abraço é facilitado nas brincadeiras de interação, e nesse momento o contato está bem restrito aos membros da família que moram na mesma casa. Por isso, dar aquele abraço antes de dormir seguido de uma boa conversa é essencial não só nesse momento, mas em toda a vida de uma pessoa. Com as crianças, ler uma boa história faz muita diferença nessa longa fase de pandemia, em que as emoções estão mais afloradas. Livros com temas diversos e inclusive temas como morte, medo, ajuda a criança a elaborar esses sentimentos tão complexos. Um bom momento junto pode valer como um bom abraço também.
Carochinha: Do ponto de vista da psicologia, por que o abraço é uma expressão tão importante?
Thais Laham: O contato físico é essencial para a formação da autoestima de uma criança. O bebê sai de dentro do útero, um lugar quente e aconchegante, para um lugar frio e espaçoso, sendo essa a primeira experiência de desamparo. Por isso o bebê precisa se sentir seguro no colo de seus cuidadores. Conforme o bebê vai crescendo, ele também vai criando algumas autonomias para aprender a viver. Esse processo é lento e longo, eu diria que um evento pra vida toda, em suas devidas proporções. O abraço entra aqui como uma forma de carinho e proteção. Por isso abraçamos as pessoas em momentos difíceis da vida, como uma forma de acolhimento e força, pra esses momentos mais vulneráveis. No caso da pandemia, todos nós estamos vivendo uma fase longa de vulnerabilidade, porém, por conta do vírus, não é recomendado encostar na maioria das pessoas que amamos e fazem parte do círculo social da criança, como tios, amigos, professores etc. As crianças, por não conseguirem ter o total entendimento dessa situação, muitas vezes podem se sentir abandonadas, com medo. O abraço entra nesse momento como um lugar de intimidade, de força e carinho, pra criança sentir esse “conforto do útero” como um lugar possível.
O contato físico é essencial para a formação da autoestima de uma criança.
Carochinha: Existem pessoas, particularmente adultos, que ainda enfrentam dificuldade de se expressar e de abraçar os filhos. O que essas pessoas podem fazer para lidar com isso?
Thais Laham: Essa dificuldade aumenta conforme os filhos crescem; é mais fácil dar amor e carinho pros pequenos, que ainda não aprenderam a julgar. O abraço é um contato íntimo de expressão do amor. Muitos adultos têm essa dificuldade de demonstrar amor porque bem provavelmente não receberam de seus pais esse carinho físico; pra muita gente, pode ser difícil e até vergonhoso dizer que ama e se entregar a um abraço, pois, quando expressamos o que sentimos, também expomos a vulnerabilidade humana, como acontece com qualquer entrega. É preciso coragem no amor. Quando amamos, corremos o risco do abandono e, para não sofrer, muitos adultos endurecem. E o interessante é que, ao mesmo tempo que o amor nos mostra nossa vulnerabilidade, ele nos fortalece; por isso pensar sobre esse assunto e tentar olhar pra dentro de si, encarando essas amarras, vale muito a pena.
É preciso coragem no amor.
Carochinha: Com a pandemia, fomos privados de abraçar inclusive pessoas que não estão no nosso núcleo familiar. Você acha que, quando essa situação passar, o abraço deve voltar a ficar presente em nossas relações sociais?
Thais Laham: Eu acho que sim! Eu acredito que esse é um gesto humano que permanecerá em nós. Algumas pessoas, mais livres, e outras, com algumas dificuldades, mas quem é do abraço sempre será. Quem não é, mas gostaria de praticar mais, vale a pena tentar investigar esse bloqueio pra buscar uma forma de amar mais livremente. Lembrando que o amor pode ser manifestado de várias maneiras, não só com abraço. Quem não sabe abraçar pode, sim, saber amar de outras formas.
Um bom momento junto pode valer como um bom abraço também.
Thaís é autora do livro O búfalo que só queria ficar abraçado e da coleção Atum, o gato grato, que já conta com três volumes. Nesse momento, ela e a ilustradora Juliana Basile preparam o próximo livro: Atum, o gato grato – Esportista nato.