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“LETRA BASTÃO”, SIM, mas que tal misturar com as outras?

por Marcelo Jucá

SOBRE O QUE VAMOS CONVERSAR: O uso da “letra bastão” em livros de literatura infantil e didáticos. Ela traz benefícios no processo de alfabetização? Por que é tão comum esse tipo de letra? Mas por que também não ensinar a letra de “imprensa”? As famílias devem fazer algo a respeito? Qual a relação da tecnologia e da pandemia com o assunto? Qual seria o melhor cenário para a alfabetização? Inclusão.

Confira aqui no Blog da Carochinha o papo com Cristiane Boneto, assessora pedagógica, doutoranda em educação e autora infantil.


Pode até parecer um assunto específico de educadores, estudiosos, ou, que provoque a curiosidade de algumas famílias com crianças em fase de alfabetização. Mas, na realidade, o tema do uso da LETRA BASTÃO é de interesse de todos, pois implica diretamente na formação de crianças e os meios de interpretar e se comunicar da sociedade como um todo.

“Na literatura infantil, ficou praticamente convencionado o uso da LETRA BASTÃO”, afirma a assessora pedagógica Cristiane Boneto, também doutoranda em Educação e autora infantil. O problema, explica a especialista, não é usar a LETRA BASTÃO, mas somente ela.

“Será que é adequado apresentar na infância apenas uma opção? Se a criança sabe usar a BASTÃO, só vou apresentar isso?”, provoca.

Passando a limpo: a LETRA BASTÃO é importante na alfabetização? De acordo com Cristiane, sim. É importante seu uso e que apareça tanto em livros didáticos quanto de literatura. A ressalva é deixar no esquecimento a letra de imprensa, que também carrega seus benefícios, ainda mais por ser a tipografia utilizada de forma geral.

Como chegamos aqui?

Vamos resumir a história. Antigamente, nos tempos de educação por cartilhas, não havia essa “dependência” ou “obrigatoriedade” do uso de LETRA BASTÃO. A especialista recorda que não era comum ver livros infantis, por exemplo, com esse tipo de letra.

Até que ocorre a mudança. Certos grupos, linhas pedagógicas, passam a optar pela preferência à BASTÃO. A influência da escolha foi tão grande que começou a remodelar todo o mercado de livros didáticos e de literatura infantil.

O impressionante, relembra Cristiane, é que quando começa a se popularizar seu uso, livros infantis antes publicados com letra de imprensa passam a ser reeditados com a LETRA BASTÃO.

“Assim, didatizaram a literatura infantil, o movimento do mercado é ampliado para o livro de literatura.” Em pouco tempo, a profissional viu a exclusão da letra de imprensa no cotidiano escolar com o uso maior e quase total da de BASTÃO, enquanto a imprensa aparecia perifericamente, ou seja, em casos muito particulares.

Cristiane aponta uma falta de seriedade nas conversas e referências em estudos, sem contar os extremismos que em nada beneficiam o diálogo.

“Falta bibliografia, pesquisas que pensem mais e discutam o processo de alfabetização, a psicomotricidade das crianças de 4 e 5 anos. Principalmente após a pandemia e com o avanço e maior acesso à tecnologia, há um esvaziamento de argumentos. É preciso conversar mais a respeito.”

Professores e editoras

A especialista reforça mais uma vez: “A nossa discussão não é se a BASTÃO é boa ou ruim. Ela tem seus benefícios comprovados. A discussão é outra, a pergunta que temos nos feito é se ela é o ÚNICO jeito, o único caminho de aprendizagem nos anos iniciais.”

Cristiane afirma receber muitos relatos sobre a angústia de professores que lecionam nos anos finais do fundamental e precisam lidar com a transição das LETRAS BASTÃO para a de imprensa. “Fica a sensação de estranhamento, por que não ensinou antes?”

Por trás da pergunta, há questões de outra ordem que influenciam diretamente no tema, no qual destacamos dois em especial. O papel dos professores e o papel das editoras.

Às editoras, cabe o papel de oferecer livros didáticos e de literatura com ambas as possibilidades, um catálogo variado que atenda múltiplas possibilidades. A produção tem que olhar para o educador e dar valor para essa união. Tem que trabalhar juntos. “Além da variação tipográfica, da diversidade, já pensou que enriquecedor mostrar aos alunos o mesmo texto em diferentes fontes? É usar o recurso visual de uma forma incrível!”

Na outra ponta, estão os professores. “Essa parceria deve ser realizada, é um elemento importante.” Cristiane explica que em determinadas situações, pela precarização da profissão, muitos educadores só têm o livro didático como recurso, e ele não é suficiente.

“A gente sabe que cada criança aprende de um jeito, de um jeito só dela. Por isso outros recursos são essenciais para o desenvolvimento de cada um.”

Ou seja, se o livro didático ou de literatura só for em LETRA BASTÃO, vai limitar o acesso a outras possibilidades e isso vai ser ruim alguns anos depois. Os professores podem enxergar no cotidiano e na tecnologia como seus grandes aliados. “A letra de imprensa está ao nosso redor.”

Livros didáticos, literatura e telas de celulares

Apesar das dificuldades, felizmente, o cenário do cotidiano atual pode ser um fator positivo para os educadores. Antes, havia um senso real e comum, de “dá trabalho produzir novo conteúdo”. Com a falta de apoio à profissão, o sentimento ganha contornos bem visíveis.

Mas a boa notícia é o mundo mais acessível em que estamos inseridos. Cristiane traz o exemplo da pandemia. Nesse trágico momento que passamos, “vimos a força dos recursos disponíveis.” As crianças transitaram por diferentes meios, estavam expostas à letra de imprensa no teclado, além de textos que apareciam nas telas.

Assim, Cristiane defende:

“Optar por mais opções não é retroceder, é acreditar na diversidade tipográfica e que todas elas estejam dentro de casa e das salas de aula.”

O cenário ideal, conclui a especialista, é que as editoras olhem para a própria produção, conversem com profissionais da educação e que estão nas salas de aula, e possam oferecer em seus catálogos tantos livros didáticos quanto de literatura mistos, ampliando o acervo e as interpretações de leitura às crianças.

Um comentário

  1. Abrir a mente, apresentar novas possibilidades é enriquecedor para a criança, que, por si, é um ser criativo e aberto, que adora novidades.

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